Solano Trindade e Manuel Bandeira utilizam do mesmo recurso rítmico para pintar cenários nacionais nos poemas Tem gente com fome e Trem de ferro, de respectiva autoria, mas tratam dois Brasis diferentes e a razão para tanto é apenas uma: o que mobiliza ambos poetas nas artes sobre os trilhos. É inegável, e somente afirmado enquanto reiteração do racismo, que Trindade foi um gênio multifacetado, enquanto Bandeira entrou para o cânone literário tanto por habilidade como por privilégio, algo que infelizmente ainda é recorrente, mesmo após décadas da escrita dos dois poemas em questão. Tratam o poema de Bandeira como se fosse um dos ápices de sua obra, ao mesclar uma linguagem tida como popular em um ritmo que nos conta um Brasil progressista, modernizado e, para as vistas de dentro para fora do trem, beirando a uma orquestração do bucólico. Já Trindade, poeta popular de fato e não por uma espécie de cientificismo estético, nos conta outro Brasil, o qual se move em vagões de desalentados.
Considerando o mapa ferroviário brasileiro, que nos conta muito pouco sobre o progressismo dada sua escassez, e o valor do transporte público na maior metrópole nacional, me pergunto qual dos poemas reflete melhor o resultado de um país que, longe da justiça social, perpetua injustiça em quaisquer acelerações tecnológicas? Uma dúvida meramente retórica, basta andar no metrô de São Paulo e visualizará a resposta em vagões de desalentados. Entretanto, há uma extensa população que, pela catraca dos 4,40 reais, nem sequer pode vagar pelos trilhos. E por onde, os mais desalentados vagam?
O Brasil apreendido por Trindade nos conta muito mais sobre o que passou e ainda se passa nesta terra de pobres invisibilizados.
Tem gente com fome… café com pão não deveria, mas é privilégio de gente que, aos montes, não quer ver a miséria nas margens dos trilhos.