A pergunta do título não se refere a quais livros devemos ler em determinadas idades, mas sim ao tempo enquanto duração. Em pesquisas acerca da leitura, a associação entre esta e o tempo livre, ou seja, a rebarba que resta fora dos fazeres comuns ao viver que, ao menos na maioridade, correspondem a trabalhos remunerados ou não, a pequenos grupos a educação, a grupos ainda menores atividades de lazer possíveis apenas pelo dispêndio econômico. Portanto já há, na ideia de leitura imposta à sociedade, a concepção de que ler não é atividade laboral e, de certo modo, também não é educacional.
Em uma análise realizada pelo Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), sobre uma pesquisa realizada em parceria pelo IBOPE, Instituto Pró-livro e Itáu Cultural, afirma-se que existem cerca de 100 milhões de leitores no Brasil pré-pandêmico, de 2015 até 2019, o que se comparado à totalidade da população, demonstra uma gigantesca desigualdade no que tange tanto o acesso ao letramento, aos livros, e ao tempo para leitura. Fora este dado, a pesquisa aponta um comparativo entre atividades no denominado tempo livre, tais como uso de redes sociais, passeios, frequentar bares, entre outras, ao ato de ler. Com isso, associa-se a leitura ao entretenimento. Que em parte a leitura pode ocupar tal categoria é inegável, contudo não se restringe à esfera do lazer. Ler também é atividade laboral. Alguém que trabalhe com a escrita, seja lá qual for o mote deste trabalho, escreverá melhor quanto mais consumir de boas leituras, não apenas no tido período de formação (a juventude), mas sim durante o próprio fazer laboral. Ou seja, ler é essencial para quem escreve e, portanto, o tempo da leitura deveria se encontrar na jornada laboral do escritor, o que infelizmente não corresponde à realidade brasileira.
O motivo pelo qual a leitura não é remunerada nos trabalhos que envolvem escrita corresponde à forma como se mercantiliza tais textos: valorizando volume ao invés de qualidade, forma ao invés de conteúdo, vendas acima das criações textuais. Não à toa, o mercado se inflaciona de escritores publicitários, pois não é considerada a qualidade da escrita, tão pouco a qualidade das leituras que formaram tal escritor. O que está em jogo, na aposta do capitalismo, é a habilidade de um digitador compulsivo que, no limiar entre reprodução e criação, reforma aquilo que já fora feito convencendo que é o nova a velha casa maquiada para venda. Você encontra isso em quaisquer gêneros de escrita: seja na publicidade, na literatura, na filosofia, nos bastidores textuais de quaisquer fazeres artísticos, informativos e formativos. Quanto mais valorarmos o volume em depreciação da qualidade, maior será a impossibilidade de um mundo acessível nas possibilidades de leitura.
No Brasil, em 2022, foram vendidos cerca de 50 milhões de livros. O que tal dado diz sobre a leitura no Brasil? Quase nada… mas o pouco que diz é significativo: grande parte dos leitores não tiveram condições financeiras de adquirir um livro. Uma melhora de 2,54% no faturamento do mercado editorial em relação a 202 que, para vida da maioria dos escritos, não significa absolutamente nada. Considerando que o escritor, com sorte, recebe 10% do valor de cada exemplar, para que o mesmo viva com um salário mínimo por mês, levando em conta o valor aproximado de 50,00 reais por livro, terá que vender aproximadamente 3200 exemplares ao ano. Para quem não julga tão difícil, tente escrever um livro, achar uma editora ou distribuidora que não queira lucrar às custas do escritor com os serviços editorias e ainda ter que se tornar vendedor de sua obra… em suma, são tantas etapas na carreira de um escritor brasileiro que a qualidade do que se escreve é sufocada pelo peso do capitalismo.
Considerando os vinte livros mais vendidos de 2022 no Brasil, há majoritariamente títulos de autores estrangeiros, variando os gêneros entre autoajuda, temáticas sobre prosperidade financeira, romances com forte apelo ao senso comum e, pasmem, o álbum de figurinhas da Copa do Catar ocupando três posições no ranking. O único autor brasileiro na lista é um youtuber que, seguindo a bola da vez, escreve sobre os “segredos” do sucesso financeiro. O que tais informações nos contam sobre a compra de livros no Brasil? Quem os consome, mesmo que seja para mofar na estante, o faz pela ilusão de prosperidade financeira, caindo em uma errônea equação na qual o sucesso na empreitada capitalista é meritocrata. Só quem desconhece a ideia de herança poderia supor que as raras exceções da prosperidade econômica correspondem a mérito. No centro de tudo está o que sempre esteve: herança aliada à exploração do trabalho alheio. Mas e os demais autores brasileiros, onde se encontram? Onde sempre estiveram, nos porões do mercado editorial quando adeptos do jogo vulgar da escrita e, quando não, no submundo literário. Salvo, claro, raríssimas exceções abraçadas pelos poucos leitores que optam por uma escrita de qualidade, ou ainda por uma parcela maior de leitores que se convencem com a vulgaridade de alguns charlatões das palavras. Se você for excelente, talvez tenha alguma chance.
Fora as atividades voltadas à escrita, para além do que as empresas evocam como instrução necessária aos diferentes cargos que correspondem à sua estrutura hierárquica, a leitura é, inegavelmente, fundamental ao convívio. Convivemos através das linguagens e todo exercício verbal é fundamento deste próprio conviver. Quanto menos se lê mais difícil se torna a capacidade de expressar aquilo que pretendemos. Não há trabalho que corresponda a uma completa nulidade verbal. Qualquer fazer, em diferentes níveis, demanda comunicação. O problema é que a leitura, para além do verbo, amplia as possibilidades de reflexão. Inclusive aquelas que fazem as pessoas questionarem seus fazeres, as hierarquias, as empresas e as instituições. A ideologia neoliberal não conseguiu lidar com esta contradição. Quanto maior a instrução das pessoas, maiores são tanto as possibilidades de melhorias nos fazeres laborais quanto o questionamento sobre os próprios fazeres. Na dúvida entre a conservação dos privilégios e o questionamento destes, mesmo que havendo uma potencial e inexplorada melhoria nos fazeres laborais, a leitura é atacada e reduzida entre diversas possibilidades de lazer. É esta, inclusive, a razão pela qual a produção literária corresponde em larga escala a uma desvalorização do leitor, não o convidando a uma reflexão sobre o que é lido, mas sim ocupando seu imaginário com clichês incontáveis vezes reiterados.
Para quais tempos cabe a leitura? Para todos, mas dado que o cenário brasileiro não mudará tão cedo, para todos os momentos que clamam por subversão.