Fenomenologia à Drummond | Enigma da Palavra

Fenomenologia à Drummond

O poema Instante, de Carlos Drummond de Andrade, talvez seja a melhor tradução poética da fenomenologia, ao menos no que que diz respeito ao tempo. O que cabe no infinito, não corresponde ao momento ou ao instante, valorados não enquanto cronologias, mas sim pela intensidade. Uma subversão da corda do relógio dando ao tempo ênfase de uma duração insubordinada ao movimento dos ponteiros. O infinito tão reduzido que não dá conta do momento, algo comum a todos que já se perderam nos “pequenos” desvios do cotidiano, da vulgaridade demarcada naquilo que chamamos de rotina. Os acadêmicos da filosofia que me perdoem, ou não, mas em um poema Drummond nos dá uma compreensão mais digerível e saborosa do que um filósofo como Bergson.

Publicado no conjunto de poemas intitulado A Vida Passada a Limpo, traz também na sua composição a dimensão dos valores do tempo invertidos. Afinal, trata-se de um soneto cujo esquema de rimas só encontra padrão além das rimas falsas no último terceto, no qual faz uso da tida rima pobre (entre palavras da mesma classe gramatical); ‘momento’ e ‘vento’. Como se o momento, que em intensidade supera o infinito, possuísse sua manifestação física incorporada naquilo que passa.

Eis a pincelada do mestre da escrita: tanto momento como vento, em sonoridade, remetem a tempo, mas não a um tempo qualquer ou oculto nas entrelinhas de uma escrita cifrada. O tempo do Instante é, nas palavras expressas ao final do segundo quarteto “o tempo sem caule”, logo sem a estrutura que o vincula a uma raiz, a um princípio. Este tempo, que mesmo sem caule ainda é natural, habita lugar similar à copa das árvores mas, como não está preso na terra, nem se alimenta deste vínculo orgânico, movimenta-se para qualquer direção de acordo com o vento. Não há um princípio e mesmo assim é semeado, ou seja, a organicidade do tempo enquanto duração, no qual tanto a eternidade cronológica como um segundo, tanto o passado como o presente e o futuro, perdem a distinção. Afinal, derivando das palavras contidas neste poema: da semente que engravidou a tarde fazendo nascer o dia e não a noite, o ontem e não o amanhã, nos questionáveis planos de uma vida eterna o que salta aos olhos é o coice do corcel rubro, a gravura enlouquecida, as presas felizes e entregues perante o caçador…

Para a filosofia é melhor também habitar os campos além da falsa fronteira com a poesia do que semear apenas seus privativos jardins.

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