O “Poema de sete faces”, de Carlos Drummond de Andrade, orquestrado em sete estrofes, traz consigo algumas inquietações quanto a tal número. Como é possível, mesmo em perspectiva, fragmentar aquilo que essencialmente é uno? Sem reduzir ao jogo literário, ou a um psicologismo ensurdecido às palavras do poeta, veremos que não se tratam de sete faces, mas sim de um percurso lírico e cronológico sobre as considerações do poeta sobre si, sua relação com a religiosidade e com o mundo. Supondo que, na quarta estrofe, o poeta esteja se descrevendo (apesar de não usar habitualmente um bigode), é a única descrição literal de uma face. Claro que a literalidade, se tratando de um poema, é uma perspectiva limítrofe. Contudo, não podemos desconsiderar que, ao dar uma face literal quando sete faces são anunciadas, uma provocação está posta: existem outras faces?
Neste poema não há uma dissociação plausível entre o eu-lírico e o poeta. O eu-lírico é o poeta e a si representa, seja nas palavras do anjo torto, ou ainda da descrição dos limites ao ser poeta constatados na sexta estrofe. Drummond está, no limite possível a quaisquer representações, presente nestes versos.
Há também um movimento cíclico de caráter fenomenológico, para além do tempo, e metafísico, pelo qual uma personagem se manifesta: o diabo. Ora, o que seria o diabo que não um anjo torto, aquele que não segue a retidão pela qual o divino legisla as morais. Mas este diabo é, por si, contradição. Ele está no nascimento nada mítico de Carlos, um espelhamento côncavo do nascimento de Jesus, e também se encontra ao final ébrio do poema e não cumpre sua função: não é diabólico por não dividir o poeta em sete faces. Quem se fragmenta em sete faces é o próprio poeta no exercício da escrita. Há, em qualquer nascimento, o dar a luz, ou seja, trazer ao esclarecimento assim como o poema se encerra em noite, em certa escuridão que, neste dia-poema enquanto síntese da extensão de uma vida ao agora textual, nada se divide e tudo se soma.
Caso sejam sete faces, são sobrepostas e retalhadas de tal forma que, independente da ordem pela qual se sobreponham, todas estão expostas em unidade indissociável. A fenomenologia está, justamente, nestes fragmentos indissociáveis da face circunstanciada nas exemplificações a cada estrofe, ou seja, na múltipla perspectiva que as permite. Elas estão para cada estrofe sem deixar de estarem nas outras. São dissociáveis apenas em representação, a qual nada resolve pois, segundo o poeta afirma na sexta estrofe, rimas não são soluções. Algo que podemos estender a todo fazer poético, representativo.
São sete, número ímpar, logo sem paridade possível. O outro personagem nominado, ao contrário do diabo, aparece apenas na queixa pelo abandono. Deus não estabelece paridade, é único, o poeta também é para si único. Aquele que não é sem par, é justamente o diabo, pois este, como ser insensível, é tão anjo como qualquer outro. Ao ser torto, é torto como qualquer criatura mundana. Afinal, o encantamento com o mundo não nos comove como Deus.
Um diabo apenas diabólico na forma de um poema, ou seja, no fazer multifacetado pelo qual Drummond se descreve. O poeta, neste sentido, é o agente diabólico do texto, mas não por ser único, e sim por ser único na mesma proporção que não o é. Afinal, é único, mas ainda é gente, sendo Carlos ou Raimundo, não é uma solução. Ou seja, no cálculo que premeia o poema, ele não é apenas o resultado, mas sim todos os elementos que constituem a equação.
Quantas perspectivas podemos ter de nós mesmos de forma simultânea? A resposta não é tangível pela aritmética, ou pela estrutura de um poema.